"ABC da Bauhaus"
por Fernanda Lopes
ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design
Um triângulo, um quadrado e um círculo.
Cada um deles de uma cor: amarelo, vermelho e azul. A correspondência entre as três formas elementares e as três cores primárias foi encontrada por Wassily Kandinsky, quando em 1923 o artista russo, na época professor da Bauhaus, fez circular pela Escola Alemã de Design um questionário pedindo que pesquisadores preenchessem integralmente cada forma com uma cor, estabelecendo uma correspondência entre elas.
O consenso encontrado pelo artista foi notável e deu início à construção de uma verdadeira Gramática Visual que, a seu ver, seria muito mais poderosa, rápida e direta do que a verbal.
Essa equação inspirou inúmeros projetos na Bauhaus no início dos anos 1920, como o Berço de Peter Keler e a proposta de Mural de Herbert Bayer, e exerce influência até hoje nos trabalhos de inúmeros artistas, designers e arquitetos.
Em 1990, Ellen Lupton e J. Abbott Miller fizeram circular novamente por designers, educadores e críticos o “teste psicológico”.
As respostas encontradas quase 70 anos depois variaram entre tentativas de seguir uma intuição pessoal e a rejeição do projeto original de Kandinsky, colocando em dúvida sua sobrevivência na nova configuração estética e social do mundo décadas mais tarde.
A Equação de Kandinsky é o ponto de partida do livro “ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design”, organizado por Lupton e Miller. Publicado originalmente em 1991, para acompanhar a exposição “O ABC do [triângulo quadrado círculo]: a Bauhaus e a teoria do design da pré-escola ao pós-modernismo”, o livro que agora ganha sua versão em português é considerado até hoje uma das principais obras críticas sobre a Escola, tendo aberto caminho para a revisão de diversos conceitos e práticas.
Ele integra a coleção de obras referenciais sobre Design gráfico iniciada há cinco anos pela Cosac Naify.
A Bauhaus é o primeiro capítulo da história do design do século XX.
Fundada em 1919 pelo arquiteto Walter Gropius na cidade de Weimar, na Alemanha, a Bauhaus foi uma escola de design que, a partir das premissas do movimento de arte construtiva, defendia a existência de “artistas totais”, que integrassem artes plásticas, arquitetura e design.
Eliminando a distinção entre Artista e Artesão, a escola tinha a ambição de levar a arte para um espaço muito mais amplo do que o das galerias e dos museus, usando como caminho o design de produtos industrializados e de circulação de massa.
Para isso, contava com um time de professores influentes. Gropius nomeou, de imediato, nomes como Kandinsky, Paul Klee e Lyonel Feininger para a pintura; Gerhard Marcks para a escultura, Oskar Schlemmer para o teatro, Marcel Breuer para arquitetura, Herbert Bayer para desenho gráfico, e, no exemplar curso básico, Johannes Itten, logo substituído por Joseph Albers e László Moholy-Nagy.
Os professores e os métodos de ensino foram ingredientes responsáveis por sua influência, tomados como pontos de partida para propor e discutir alguns dos princípios que acabaram por confundir-se com a própria definição da atividade.
Johannes Itten, por exemplo, professor da escola em seus primeiros anos, acreditava que o verdadeiro aprendizado só poderia começar a partir do momento que os estudantes “desaprendessem” tudo o que sabiam e voltassem a um estado de inocência inicial.
Os princípios da Bauhaus tiveram grande importância na formação de uma disciplina do Design na Europa e ganharam força ainda maior com a expressiva migração de diversos professores da escola para os Estados Unidos e com a fundação da Nova Bauhaus em Chicago.
No Brasil, artistas como Abraham Palatnik, Alexandre Wollner, Almir Mavignier, Aluisio Carvão, Amilcar de Castro, Antonio Maluf, Geraldo de Barros, Lygia Clark, Lygia Pape, Mary Vieira e Willys de Castro realizaram entre os anos 1950 e 1960 cartazes, jornais, embalagens, logomarcas, projetos de arquitetura e espaço público que revelam um diálogo direto com os princípios plásticos que orientavam a vanguarda construtiva e com as obras que eles realizaram como artistas.
“ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design” comemora os 90 anos da Bauhaus ampliando suas possibilidades de leitura. Ela foi uma instituição monolítica, assim como felizmente não é o livro.
A publicação reúne ensaios de diferentes autores que têm como ponto em comum a investigação da construção e da validade de um dos principais pilares teóricos do seu ensino: a noção de Linguagem Visual.
O designer e teórico J. Abbott Miller, por exemplo, mergulha na história da educação para mostrar a enorme influência do Movimento Alemão do Jardim da Infância (Kindergarten) nos princípios elaborados pela Bauhaus.
Já Tori Egherman delineia, de forma breve e intensa, o panorama caótico da República de Weimar, mostrando que o ímpeto espiritualista que animou as utopias dos líderes da Bauhaus foi o mesmo que levou os nazistas ao poder.
O volume reúne também ensaios dedicados à psicologia, à física e à matemática.
Julia Reinhard Lupton e Kenneth Reinhard, por exemplo, partem do teste psicológico de Kandinsky para investigar os significados do triângulo, círculo e quadrado nas teorias de Freud e Lacan enquanto Alan Wolf mostra que o desenvolvimento da física (com o estudo de múltiplas dimensões) e da matemática (com a introdução da geometria fractal) relativizou o caráter ontológico essencial das formas bidimensionais básicas aclamadas pela Bauhaus.
Além dos textos, outro ponto alto do livro é o seu projeto gráfico, que produz verdadeiros ensaios visuais, demonstrando como pode ser interessante a relação entre linguagem visual e verbal.
*FERNANDA LOPES é mestre em História e Crítica de Arte pela UFRJ
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