terça-feira, 22 de março de 2011

OS TONS DA INVEJA



"O ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda. A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho brilha. Só a inveja se esconde"
(Mal Secreto, Zuenir Ventura)

Existem palavras e expressões que sofrem transformações estratosféricas de sentido ao longo do tempo. A palavra “inveja” é uma delas. No decorrer da história, esse vocábulo latino sofreu uma mutação incrível. O que antes significava “não ver” passou a ser sinônimo de “cobiça”, ou seja, “querer ter o que é do outro”, seja um bem material, um comportamento ou algum atributo físico que põe uma pessoa inferior em relação à outra.


A inveja, como vários estudiosos afirmam, é um sentimento dos fracos que, percebendo-se incompetentes para atingir um desejo interior, acabam expandindo essa energia ruim ao portador dessa conquista. Muitos alimentam essa sensação de maneira tão sólida (ainda que secretamente), que acabam imersos num poço mais profundo do que a própria inveja: a frustração.


Quando falamos que fulano é invejoso, é porque percebemos nessa figura um comportamento que foge aos padrões de normalidade ou aceitabilidade. Ele traduzirá, em gestos, o que lhe passa pela mente, por mais que tente camuflar. Certamente, em algum momento, refletirá os seus instintos recônditos para o mundo exterior já que se torna difícil sufocar-se na própria ambição. Saindo do esconderijo, ficará exposto a todo tipo de julgo e sentença.



Não existe inveja básica, inveja branca, inveja boa. Tampouco inveja inocente.
E também não existe alguém que nunca tenha tido esse sentimento, mesmo que inconscientemente. É o amigo que consegue um emprego melhor, o primo que vai morar fora do país, a colega de faculdade que sempre tira notas melhores, o vizinho que compra um carro novo, o amor da sua vida que o troca por alguém do mesmo círculo de amizade, a amiga que tem um corpo escultural, enfim.


O comportamento humano é complexo, mas ninguém deveria ser tão ordinário e vil a ponto de querer ser o outro ou ter a vida do outro. A inveja, por ser sorrateira, transparente, enigmática, também não tem cheiro, marca, nem vem com placas indicativas. Mas é insólita e faz mal tanto ao invejoso quanto ao invejado. Por não percebermos onde ela está, não é difícil imergir nas suas teias e não enxergar mais o próprio eu, que passa a assumir um papel de coadjuvante nas ações induzidas por ela.


A inveja, como disse o filósofo romano Cícero, "é a amargura que se sofre por causa da felicidade alheia", e eu acrescentaria a esse pensamento um adendo: por se sentir inferior (já que é desprovido dessa alegria), o invejoso acaba amarfanhando cada vez mais a sua personalidade a ponto de se tornar insignificante à vista dos outros. Ele sofre por não ser o outro, esquecendo-se de que poderia se valer dessa cobiça para buscar, dentro do seu mundo e das suas possibilidades, uma maneira de suprir essa falta, conquistando auto-afirmação por meios autênticos e não surrupiados de outrem.

(do site Afrodite para maiores)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores