terça-feira, 22 de março de 2011



Simone de Beauvoir aos 40 anos, em 1949

"Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância".


SIMONE DE BEAUVOIR VIVE


Monica Valby | 2006
extraído do Label France nº 63


Quando ela morreu, em 1986, a filósofa Elisabeth Badinter declarou:
“Mulheres, vocês lhe devem tudo!”
Vinte anos depois, Simone de Beauvoir continua a ser aquela que, com seu livro O Segundo Sexo, fez voar em estilhaços a camisa de força da pretensa “inferioridade feminina”. E viveu como uma mulher livre.

Existem moças na França, estudantes inclusive, que ignoram quem ela é. A antropóloga Françoise Héritier encontrou algumas durante um colóquio do CNRS (Centro Nacional para a Pesquisa Científica). Um ano depois, a professora honorária do Collège de France não esconde sua surpresa. Como desconhecer Simone de Beauvoir, autora do Segundo Sexo, um livro internacionalmente considerado como a base do feminismo contemporâneo?

Beauvoir diria, mais tarde, que não era assim que havia imaginado entrar para história, mas, como boa existencialista, assumiu o fato.

Nascida em 1908, desde muito jovem tinha o projeto de não se casar, tornar-se filósofa e escrever.

O casal que formava com Jean-Paul Sartre, baseado na liberdade e na confiança mútuas foi um marco da vida literária e política dos anos 1940 até os anos 1970.
Como intelectuais “engajados”, ou seja de esquerda, produziram uma obra de vulto, sendo cada um o primeiro leitor do outro.

Uma mulher e uma escritora completa

Romancista, dramaturga e jornalista, Beauvoir entrelaçou vida e obra de forma inextricável. Nos relatos autobiográficos[1] quis tudo explicar e explicar-se a respeito de tudo, mantendo um distanciamento.
Entretanto, sua correspondência póstuma revela, nas cartas a Nelson Algren, seu amor americano que encontrou em 1947 em Chicago e que fez dela uma “mulher completa”, amando com “corpo, coração e alma”, uma mulher encantada, curiosa a respeito de tudo, jovial e completamente apaixonada. Isto é contado em Os Mandarins, pelo qual recebeu o prêmio Goncourt de 1954.

Essa distinção não foi suficiente para abafar o escândalo provocado em 1949 pela publicação de O Segundo Sexo, uma análise política sem precedentes da questão feminina.
Beauvoir demonstra que a inferioridade feminina não é natural e sim construída socialmente, fato que, no entender de Françoise Héritier, é “um modo novo de falar do gênero”.
Beauvoir insiste na igualdade entre os sexos e incita as mulheres a se emanciparem, principalmente através da independência econômica.
Muitos homens enfureciam-se com o livro, enquanto as mulheres o liam.

Até sua morte, milhares de mulheres escreveram a Beauvoir, algumas para dizer que seu texto as tinha salvo.
A americana Betty Friedan[2] dedicou a ela, em 1963, A Mulher Mistificada, segunda obra fundadora do feminismo[3].

Mudar o mundo

Durante toda a vida, tal como Sartre, Beauvoir serviu-se de sua notoriedade para defender os intelectuais e os “oprimidos”, especialmente as mulheres.

Nos últimos quinze anos de sua vida, encontrou nas mulheres do “movimento” um radicalismo e uma exigência de clareza à sua medida e ela se engajava nesse movimento entusiasmada, “porque elas não eram feministas para tomar o lugar dos homens, mas sim para mudar o mundo”, declara ao jornal Le Monde em 1978, afirmando a seguir: “Mantenho absolutamente a frase: não você se nasce mulher, torna-se”.

Tudo o que eu li, vi, e aprendi nestes últimos 30 anos confirmaram essa idéia. A feminilidade é fabricada, como aliás também se fabricam a masculinidade e a virilidade”.

Ela criou a associação Escolher para o Direito a uma Maternidade Desejada, em conjunto com a advogada Gisèle Halimi, o Centro Audiovisual Simone-de-Beauvoir, com a atriz Delphine Seyrig e Carole Roussopoulos e a Liga do Direito das Mulheres.

“Essa mulher que não quis ter filhos tem, hoje, milhões de filhas pelo mundo”, observa com humor a escritora Benoîte Groult.
Simone de Beauvoir é venerada pelas feministas, que a lêem e estudam, principalmente fora da França.
A Simone de Beauvoir Society, com sede na Califórnia, realizou seu 14º colóquio em Roma, na Itália, em setembro de 2006.

A jornalista Bénédicte Manier constatou que, na Índia, “em todas as discussões sobre as mulheres, ao cabo de dez minutos , as indianas citam Simone de Beauvoir”.

Em comparação, seu lugar na França é muito discreto. Seus escritos não estão incluídos no programa escolar e só encontramos 7 das 68.000 escolas francesas com seu nome.
Porém, a vida é movimento.
Simone de Beauvoir entrou para a paisagem parisiense, pois a passarela sobre o Sena, em frente à Biblioteca François-Mitterrand, tem o seu nome.
Um reconhecimento raro e duradouro.

“Sua herança é imensa”

Entrevista com Anne Zelensky-Tristan[4], co-fundadora, em 1974, da Liga do Direito das Mulheres, presidida por Simone de Beauvoir.

“A idéia da Liga do Direito das Mulheres partiu dela, que estava irritada com a inércia da Liga dos Direitos Humanos nesse tópico. A associação foi fundada por várias mulheres e presidida por Beauvoir. Ela sempre esteve muito presente.
Em 1971, estava à frente do Manifesto das 343, assinado por mulheres conhecidas que declaravam ter-se submetido a um aborto[5]. O escândalo foi imenso. Em 1972, participou das duas Jornadas de denúncias dos crimes contra as mulheres. Na sala da Mutualité[6], ela esteve sentada conosco, em círculo, no grupo do aborto.

Simone de Beauvoir foi, para mim, um modelo vivo e um modelo de vida. Já muito jovem eu quis viver como ela, assumir minha liberdade. Sempre admirei a tentativa dela e Sartre de reinventar o casal, tentativa esta que continua à frente do que se faz hoje.

Hoje, os jovens mal conhecem Simone de Beauvoir, pois ela foi extirpada dos programas. O Segundo Sexo continua sendo uma bomba para o sistema patriarcal! Apesar dos guardiães do templo, sua herança é imensa.”

Monica Valby, jornalista.


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[1] Memórias de uma Moça Bem-Comportada, A Força da Idade e A Força das Coisas, como também Uma Morte Muito Suave (a de sua mãe) e A Cerimônia do Adeus, a respeito dos últimos anos de Sartre, falecido em 1980.

[2] Betty Friedan, feminista Americana fundadora da National Organization for Women (NOW), faleceu em 2006.

[3] O terceiro é Um Quarto Seu, de Virginia Woolf.

[4] Anne Zelensky-Tristan publicou em 2005 Histoire de vivre, mémoires d’une féministe (História de uma vida, memórias de uma feminista) editora Calmann-Lévy (Paris).

[5] O aborto foi legalizado na França em 1975, permitindo às mulheres que muitas vezes punham suas vidas em risco por causa de gravidezes indesejadas sair da clandestinidade.

[6] A Mutualité é uma sala parisiense onde se realizam reuniões políticas.

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