Há três ou quatro anos atrás,
este nome era praticamente
desconhecido.
Foi descoberto quase por acaso e rapidamente se
tornou um fenómeno no mundo da arte e da fotografia.
Quem é afinal Miroslav Tichý?
É um velho andrajoso que optou por uma vida marginal
após diversas vicissitudes que lhe foram impostas pela
guerra e pelo regime totalitário do seu país,
a ex-Checoslováquia.
Tichy nasceu na República Tcheca em 1926,
estudou pintura na Academia de Arte de Praga,
até que em 1960,
sem nenhuma razão específica,
foi jogado pelos comunistas em um
campo de prisioneiros,
afinal, ele era diferente, subversivo.
Mudam os ditadores, mas o argumento é sempre a
subversão.
E lá ficou por oito anos.
Se bem que o seu aspecto de vagabundo possa sugerir
alguém derrotado,
Tichý manteve sempre um espírito livre e resistente,
recusando em todos os sentidos
colaborar com o "sistema".
Fotografar foi, de certo modo, uma manifestação
desse inconformismo.
Tichý começou a fotografar nos anos 60,
após ter passado uma temporada na prisão por
motivos políticos.
Foi nesta época que assumiu a sua marginalidade e
negligenciou definitivamente o seu aspecto físico.
Coerente até com a sua atividade de fotógrafo,
se tornou também marginal,
desde o próprio equipamento rudimentar,
construído com pedaços de sucata,
Até o próprio ato de capturar as imagens, feito de
modo furtivo, escondido, como um voyeur.
Passou a dedicar-se à fotografia de mulheres.
Mas o curioso mesmo é como ele as fotografava.
Tichy fazia suas próprias câmeras
com latas de alumínio e de outros “restos”,
coisa que sem medo nenhum chamaríamos de lixo.
É claro que a qualidade das fotos,
em termos de imagem, é terrível.
Mas há de se respeitar o conceito.
E como é que fotografava ele?
Perseguiu-as obsessivamente.
Fez centenas de registos - chegou a impor a si próprio
uma norma:100 fotografias por dia.
As modelos involuntárias do seu universo feminino
eram mulheres "apanhadas" passeando na rua
ou tomando banhos de sol.
As vezes não se apercebiam; outras vezes protestavam
e zangavam-se;
outras, deixavam-se fotografar com complacência.
Rostos, bustos e pernas dominam
os enquadramentos crus e espontâneos,
revelando um erotismo sofisticado e surpreendente.
Dos numerosos negativos que fazia
apenas revelava alguns - uma única cópia -
e colava-os em cartões onde desenhava molduras e
efeitos decorativos com lápis.
Nódoas diversas, propositadas ou não, acrescentavam-
lhe patine e um aspecto estranhamente melancólico.
Todo este conjunto de fotografias expressavam
qualidades poéticas extraordinárias,
muito possivelmente, em decorrência da formação
artística de Tichý na Academia de Artes de Praga e
a sua adesão ao Expressionismo,
durante a sua juventude.
E o que é ainda mais extraordinário é que as fez para si
mesmo, para seu desfruto pessoal,
como excluído e independente que sempre foi.
Miroslav Tichy, Untitled (Courtesy: Foundation Tichy Oceán) / Julia Margaret Cameron, "The Mountain Nymph, Sweet Liberty", 1866 (Courtesy: Collection Moderna Museet)
A associação é improvável, mas pode sempre dizer-se que se trata de duas explorações da fotografia como medium (em duplo sentido), à distância de um século.
Os conceitos de intimidade e intimismo tb podem ser usados para ambos: uma prática íntima do voyeurismo e uma prática social da intimidade.
Fotos: Miroslav Tichý, "untitled", undated (1960-95) © Foundation Tichý Ocean
Miroslav Tichý criou no início dos anos 60 a meados de 1990,
uma obra fotográfica obsessiva em torno da figura feminina,
reinventando a fotografia
à margem de qualquer corrente artística.
Suas imagens, captadas de forma instintiva com lentes de
aproximação e dispositivos feitos de sucata,
propõem uma realidade extraordinária, erótica e onírica:
elas revelam um artista fora do padrão,
marcado por influências clássicas da pintura.
Expostas pela primeira vez em 2004, as fotografias de Miroslav Tichý indicam um talento único.
Durante muito tempo,
Tichy foi uma mistura de excêntrico charmoso
com bicho-papão.
Ele era preso frequentemente por tirar fotos de moças inocentes na
piscina pública.
O fato de isso tudo ter acontecido sob a opressão de um regime
comunista dava um certo ar de rebeldia no que ele fazia, estando ele
consciente disso ou não.
Com o tempo, as pessoas se acostumaram com a sua presença e
muitas vezes até gostavam de ser fotografadas por ele.
Hoje, Tichy continua morando em Kyjov,
mas é praticamente inacessível.
Ele sofre de demência e é cuidado por um vizinho.
Provavelmente destruiu a maioria do trabalho que produziu ao longo
da vida, no que pode ser descrito, de forma romântica,
como um ato artístico de loucura.
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